No artigo anterior, nós conhecemos um pouco mais sobre a vida pessoal e profissional de M., que é policial penal em uma unidade no interior do estado de São Paulo, há 27 anos.
Agora, vamos saber um pouco mais da forma como, nessas quase três décadas, ela conseguiu estabelecer um equilíbrio na relação entre o trabalho e a família – e como isso pode fazer toda a diferença.
Para nos ajudar nessa jornada, ouvimos também a filha caçula da servidora, de 15 anos de idade, que nasceu e cresceu nesse ambiente, com a mãe trabalhando no sistema prisional.
“Sempre tive curiosidade”
Levando em conta a natureza do trabalho em uma unidade prisional, obviamente, o que acontecia na hora do expediente quase nunca era tema de conversa dentro de casa.
É claro que, por outro lado, os filhos nunca deixavam de perguntar ou tentar saber como é a rotina do lado de dentro dos alambrados.
“Curiosidade a gente sempre tem – principalmente quando se trata de um ambiente de trabalho perigoso”, comenta a filha. Na escola, era a mesma coisa, quando criança ela sabia dizer qual era o local de trabalho da mãe. No entanto, nunca soube “explicar certinho o que ela fazia”.
Conforme crescia e os amigos passavam a descobrir a profissão, ficavam “chocados”. Não apenas pelas características de um cargo tão complexo, mas, também em relação a segurança de M..
Esgotamento físico e emocional
Enquanto a mãe volta o olhar para os episódios de violência dentro e fora dos presídios registrados em maio de 2006, no olhar da jovem filha, esse não parece ter sido um problema tão marcante.
“Senti um pavor muito grande quando, numa certa ocasião, havia uma pichação no asfalto em frente a minha casa com a frase: ‘matar os polícia é a nossa’”, relembra a policial penal, que afirma ter “desmoronado” à época.
A verdade é que, a preocupação com a segurança da família é tão grande, que passa a ocupar um lugar de destaque que, às vezes, para os jovens, ficam mais fácil de relevar – e todos aprendem com essa experiência de leveza, também.
Para a filha, uma coisa que lhe marcou muito foi a intensa dedicação da mãe que, por uma questão de cumprimento de dever, por vezes a teve de deixar sozinha em casa (não completamente, é claro, pois a avó mora aos fundos).
Mas, mesmo sob o ponto de vista de uma jovem, uma coisa é notável para quem vive com um funcionário do sistema prisional: o esgotamento.
“O cansaço é o principal: é uma profissão que precisa de uma atenção dobrada aos acontecimentos dentro e fora das estruturas do trabalho, isso acaba gerando um cansaço mental e físico”, observa sobre sua mãe.
“Deveriam ter maior valorização pelo perigo que correm…”
Dentro dos alambrados e muralhas, a vida do servidor do sistema prisional é focada na atenção. É preciso estar em alerta durante todo o plantão. Infelizmente, essa conduta tem de ser repetida nas ruas, em lugares escuros, ermos etc.
No entanto, o que M. deixa bem claro, levando em conta sua experiência na profissão, é muito importante. Em casa, esse regime de atenção deve mudar um pouco de lado.
Se você convive com um funcionário do sistema prisional, é preciso observar, sempre, seu comportamento, suas emoções e costumes.
É mais comum do que se imagina a incidência de problemas de saúde mental em profissionais que desempenham essa atividade de risco.
“Sugiro que familiares e amigos dos funcionários se envolvam com amor e resiliência”, diz. “Se necessário, busque ajuda para si mesmo a fim de compreender a dimensão da situação e, então, auxiliar o ente querido a superar as dificuldades”, complementa.
Para o próprio funcionário, M. explica que a qualidade de vida dever ser, na medida do possível, priorizada.
“Cuidem de sua saúde física, emocional e mental, conversem sobre seus problemas e dificuldades com aqueles que possam propor soluções: médicos e psicoterapeutas”, enumera.
A funcionária reforça a importância de encontrar um hobby ou atividade prazerosa. No seu caso, ela colhe muitos resultados positivos praticando a dança!
Na visão de sua filha, além de toda admiração pela mãe batalhadora, fica também o registro em forma de protesto. “Deveriam ter maior valorização pelo perigo que correm e, muitas vezes, sofrem danos emocionais pelo o que passam dentro do ambiente de trabalho”, desabafa.
Para M., o apoio de seus entes queridos é fundamental e o amor das pessoas em casa são o combustível para continuar sua missão no sistema prisional. “Nos auxiliam a manter o equilíbrio necessário para exercermos nossa função de custodiar (e reeducar) os encarcerados e manter um relacionamento familiar saudável e feliz e a seguir adiante”.
Leia também: Viver com uma Policial Penal (parte 1) – os desafios
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